O som do povo se cala: Brasil se despede de Hermeto Pascoal, o bruxo dos sons

Uma chaleira, um brinquedo, a água da lagoa. Nas mãos dele, tudo virava música. O Brasil perdeu, neste sábado (13), um de seus artistas mais geniais e autênticos: o alagoano Hermeto Pascoal, aos 89 anos. A notícia, confirmada por sua família, deixa um silêncio que nem o mais afinado dos instrumentos pode preencher.

CULTURA

Redação

9/14/20251 min read

Mais do que um músico, Hermeto era a própria voz da criatividade do nosso povo. Nascido em Lagoa da Canoa, no interior de Alagoas, este homem albino, que desde cedo não podia trabalhar na roça sob o sol forte, encontrou nos sons da natureza e dos objetos mais simples a sua matéria-prima. Ele não precisou de conservatórios europeus para se tornar um mestre. Sua universidade foi o quintal de casa, o barulho da feira, o canto dos pássaros.

Para o povo, a música de Hermeto era a prova de que a arte não tem dono e nem precisa de luxo. Ele pegava um cano, uma garrafa, a sanfona de oito baixos do pai, e criava melodias que o mundo inteiro parou para ouvir. Miles Davis, um dos maiores nomes do jazz, se curvou ao seu talento, chamando-o de "o músico mais impressionante do mundo". Mas Hermeto nunca se deixou levar pela fama. Sua verdade estava aqui, no nosso chão, misturando forró, baião, maracatu com uma liberdade que só os gênios possuem.

Enquanto a grande mídia muitas vezes celebra artistas que copiam fórmulas de fora, Hermeto Pascoal era o Brasil em sua forma mais pura e inventiva. Ele nos ensinou que em cada canto do país, em cada objeto do dia a dia, existe uma sinfonia esperando para ser descoberta. Sua partida não representa apenas a perda de um grande compositor, mas o silêncio de um Brasil profundo, criativo e popular, que tantas vezes é esquecido.

Hermeto não morreu. Um homem que fez música com o próprio universo não morre, vira som. Como pediu sua família, quem quiser homenageá-lo, que "deixe soar uma nota no instrumento, na voz, na chaleira e ofereça ao universo". O corpo do "bruxo" descansa, mas sua música, a música do povo brasileiro, continuará a ecoar, nos lembrando que a verdadeira riqueza da nossa cultura brota da nossa gente.